Sobre a Greve
Prezad@s, saúde e paz, conforme disse em sala de aula, aqui vão
algumas reflexões sobre o movimento grevista que ora se anuncia na
Universidade Federal Fluminense e em outras universidades públicas.
Vivemos hoje, e tudo indica que viveremos nos próximos anos, tempos
difíceis do ponto de vista das relações entre governo e educação, em
geral, e entre governo e universidades públicas, em particular. A
presidenta, uma vez eleita, e ao contrário de tudo o que prometera na
campanha que a elegeu, resolveu definir como política de "saída de
crise" um conjunto de propostas que se assemelham em tudo e por tudo
ao que seus adversários queriam realizar. Como em muitos países do
mundo, vem por aí um "ajuste", cujo custo será pago pelos
trabalhadores e pelas camadas populares. A cartilha já foi aplicada na
Europa e em outras partes do mundo. O resultado? Menos e mais
precários serviços públicos, menos e mais precários direitos sociais,
menos e mais precárias perspectivas para a melhoria do padrão de vida
das grandes maiorias.
As Universidades Públicas sofrerão, já estão sofrendo, o impacto deste
"ajuste": verbas "contingenciadas", ou seja, cortadas; salários
congelados ou, no melhor dos casos, reajustados abaixo da inflação,
cujos índices são maquiados. Nem preciso falar dos resultados, eis que
são visíveis a olho nu.
Para enfrentar, e superar positivamente, as ameaças, vai ser preciso
muito conversar e debater, e lutar, para lidar com esta conjuntura que
se anuncia de "vacas magras" (podem por magreza nisto). Para isto, a
universidade deve continuar funcionando, viva.
Entretanto, como de sua tradição, as entidades de professores,
funcionários e estudantes voltam a propor a sua cantiga de uma nota
só: vamos à greve!
A proposta é anunciada, discutida e decidida por pequenas minorias de
ativistas iluminados, sem representatividade, concentradas em
assembleias não precedidas de reuniões locais ou setoriais
(departamentos, institutos, etc.). Carecem, portanto, de legitimidade.
Trata-se também de um dispositivo tradicional, que isola as entidades
de suas bases sociais. Para uma luta de longo fôlego, como a que
teremos pela frente, não é um bom começo.
Mas não me oponho a esta greve, como me opus a outras, apenas por
estas considerações, já bastante relevantes em si mesmas.
O que me parece também muito importante é que, nesta greve, como em
outras, do passado, apenas são penalizados os cursos de graduação. Só
param, quando param, as aulas dos cursos de graduação. As pesquisas
continuam a todo o vapor. Os Programas de Pós-Gradação, também.
Continuam sendo escritos artigos e livros, apresentados em Congresso
não adiados, ou desmarcados. Projetos financiados continuam a ser
implementados. É tão evidente que chega a ofuscar: só param mesmo os
cursos de graduação.
O prejuízo seria, porém, concebível, se a forma de luta adotada fosse
eficaz. Mas não é. Quem não se lembra da paralisação da semana
passada? Onde vingou, o que tivemos? Uma universidade deserta, sem
viva alma, fechada. Debate? Zero! Discussão? Zero. Capacidade de
pressão? Nula.
A verdade é que, como já foi demonstrado em muitos outros momentos, a
situação do sistema educacional torna-se assunto "público", e se
realizam pressões efetivas em prol de medidas positivas para a
educação pública, quando estudantes, professores e funcionários
conseguem ir para as ruas, apresentando à sociedade suas
reivindicações, impondo-se, pelo seu movimento social, à atenção das
gentes e à agenda dos governos. A greve nos serviços públicos é uma
infeliz mimetização dos movimentos operários, ou dos segmentos que
trabalham nos setores produtivos. Ao invés de prejudicar os patrões,
prejudica apenas e tão somente os usuários dos serviços, no nosso
caso, os cursos de Graduação.
A greve, "por tempo indeterminado", não qualifica o debate, anula-o;
não acumula forças, dispersa-as; não concentra, fragmenta e pulveriza;
não fortalece, enfraquece.
Não é uma forma de luta consequente e por isso deve ser evitada e
rejeitada. Só é razoável concebê-la em momento ou dias de
manifestação. Aí, sim, ela pode se justificar. Parar aulas e cursos, e
redação de artigos e provas, para ir às ruas, protestar nelas,
agitando, politica e culturalmente, a sociedade.
Acresce ainda, e finalmente, uma última razão. É que os grevistas do
serviço público no Brasil, pelo absoluto descaso com que são estes
últimos tratados pelos governos, têm seus salários regularmente pagos
no fim de cada mês, estejam ou não trabalhando. Como já disse em
outros momentos, se os trabalhadores do mundo soubessem que é possível
fazer greve ganhando salários...ai do Capitalismo, não haveria um que
não paralisasse imediatamente o trabalho.
Por todas estas razões, prezad@s, continuarei oferecendo meus cursos.
Se a universidade estiver fechada, trabalharemos nos gramados do
campus, com belas vistas para o mar e para as montanhas. Reconhecerei
o direito dos estudantes que divergem destas considerações e não
computarei suas faltas, oferecendo-lhes, quando, e se voltarem, às
aulas, avaliações de conhecimentos apropriadas. Mas informo, desde já,
que não pretendo repor aulas. Por duas razões: porque elas terão sido
dadas, e por não acreditar na eficácia da reposição, mesmo quando ela
se realiza, o que não é sempre o caso, infelizmente.
Divulgarei o presente texto para minhas bravas turmas e para os
professores de História. É livre, naturalmente, sua divulgação.
Que todos façam o que lhes ditarem as próprias consciências.
Quanto a mim, como disse um velho revolucionário em momentos de
incerteza: Dixi, et salvavi animam meam (Disse, e salvei a minha alma).
Saludos,
Daniel Aarão Reis
Professor de História Contemporânea
Universidade Federal Fluminense
21 de maio de 2015
Prezad@s, saúde e paz, conforme disse em sala de aula, aqui vão
algumas reflexões sobre o movimento grevista que ora se anuncia na
Universidade Federal Fluminense e em outras universidades públicas.
Vivemos hoje, e tudo indica que viveremos nos próximos anos, tempos
difíceis do ponto de vista das relações entre governo e educação, em
geral, e entre governo e universidades públicas, em particular. A
presidenta, uma vez eleita, e ao contrário de tudo o que prometera na
campanha que a elegeu, resolveu definir como política de "saída de
crise" um conjunto de propostas que se assemelham em tudo e por tudo
ao que seus adversários queriam realizar. Como em muitos países do
mundo, vem por aí um "ajuste", cujo custo será pago pelos
trabalhadores e pelas camadas populares. A cartilha já foi aplicada na
Europa e em outras partes do mundo. O resultado? Menos e mais
precários serviços públicos, menos e mais precários direitos sociais,
menos e mais precárias perspectivas para a melhoria do padrão de vida
das grandes maiorias.
As Universidades Públicas sofrerão, já estão sofrendo, o impacto deste
"ajuste": verbas "contingenciadas", ou seja, cortadas; salários
congelados ou, no melhor dos casos, reajustados abaixo da inflação,
cujos índices são maquiados. Nem preciso falar dos resultados, eis que
são visíveis a olho nu.
Para enfrentar, e superar positivamente, as ameaças, vai ser preciso
muito conversar e debater, e lutar, para lidar com esta conjuntura que
se anuncia de "vacas magras" (podem por magreza nisto). Para isto, a
universidade deve continuar funcionando, viva.
Entretanto, como de sua tradição, as entidades de professores,
funcionários e estudantes voltam a propor a sua cantiga de uma nota
só: vamos à greve!
A proposta é anunciada, discutida e decidida por pequenas minorias de
ativistas iluminados, sem representatividade, concentradas em
assembleias não precedidas de reuniões locais ou setoriais
(departamentos, institutos, etc.). Carecem, portanto, de legitimidade.
Trata-se também de um dispositivo tradicional, que isola as entidades
de suas bases sociais. Para uma luta de longo fôlego, como a que
teremos pela frente, não é um bom começo.
Mas não me oponho a esta greve, como me opus a outras, apenas por
estas considerações, já bastante relevantes em si mesmas.
O que me parece também muito importante é que, nesta greve, como em
outras, do passado, apenas são penalizados os cursos de graduação. Só
param, quando param, as aulas dos cursos de graduação. As pesquisas
continuam a todo o vapor. Os Programas de Pós-Gradação, também.
Continuam sendo escritos artigos e livros, apresentados em Congresso
não adiados, ou desmarcados. Projetos financiados continuam a ser
implementados. É tão evidente que chega a ofuscar: só param mesmo os
cursos de graduação.
O prejuízo seria, porém, concebível, se a forma de luta adotada fosse
eficaz. Mas não é. Quem não se lembra da paralisação da semana
passada? Onde vingou, o que tivemos? Uma universidade deserta, sem
viva alma, fechada. Debate? Zero! Discussão? Zero. Capacidade de
pressão? Nula.
A verdade é que, como já foi demonstrado em muitos outros momentos, a
situação do sistema educacional torna-se assunto "público", e se
realizam pressões efetivas em prol de medidas positivas para a
educação pública, quando estudantes, professores e funcionários
conseguem ir para as ruas, apresentando à sociedade suas
reivindicações, impondo-se, pelo seu movimento social, à atenção das
gentes e à agenda dos governos. A greve nos serviços públicos é uma
infeliz mimetização dos movimentos operários, ou dos segmentos que
trabalham nos setores produtivos. Ao invés de prejudicar os patrões,
prejudica apenas e tão somente os usuários dos serviços, no nosso
caso, os cursos de Graduação.
A greve, "por tempo indeterminado", não qualifica o debate, anula-o;
não acumula forças, dispersa-as; não concentra, fragmenta e pulveriza;
não fortalece, enfraquece.
Não é uma forma de luta consequente e por isso deve ser evitada e
rejeitada. Só é razoável concebê-la em momento ou dias de
manifestação. Aí, sim, ela pode se justificar. Parar aulas e cursos, e
redação de artigos e provas, para ir às ruas, protestar nelas,
agitando, politica e culturalmente, a sociedade.
Acresce ainda, e finalmente, uma última razão. É que os grevistas do
serviço público no Brasil, pelo absoluto descaso com que são estes
últimos tratados pelos governos, têm seus salários regularmente pagos
no fim de cada mês, estejam ou não trabalhando. Como já disse em
outros momentos, se os trabalhadores do mundo soubessem que é possível
fazer greve ganhando salários...ai do Capitalismo, não haveria um que
não paralisasse imediatamente o trabalho.
Por todas estas razões, prezad@s, continuarei oferecendo meus cursos.
Se a universidade estiver fechada, trabalharemos nos gramados do
campus, com belas vistas para o mar e para as montanhas. Reconhecerei
o direito dos estudantes que divergem destas considerações e não
computarei suas faltas, oferecendo-lhes, quando, e se voltarem, às
aulas, avaliações de conhecimentos apropriadas. Mas informo, desde já,
que não pretendo repor aulas. Por duas razões: porque elas terão sido
dadas, e por não acreditar na eficácia da reposição, mesmo quando ela
se realiza, o que não é sempre o caso, infelizmente.
Divulgarei o presente texto para minhas bravas turmas e para os
professores de História. É livre, naturalmente, sua divulgação.
Que todos façam o que lhes ditarem as próprias consciências.
Quanto a mim, como disse um velho revolucionário em momentos de
incerteza: Dixi, et salvavi animam meam (Disse, e salvei a minha alma).
Saludos,
Daniel Aarão Reis
Professor de História Contemporânea
Universidade Federal Fluminense
21 de maio de 2015
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